quarta-feira, 26 de maio de 2010

A Guerra dos Impérios - Prólogo (Final)

Meses depois

Atron ainda não havia conseguido uma nave para voltar à Égon, à cidade de Mégan e ao teletransporte espiritual que o devolveria à Tirênia. Não havia meios de driblar a rigorosa fiscalização em cima das poucas astronaves restantes em Tarrent.
Uma nave estelar era agora artigo de luxo naquela região moral e tecnologicamente decadente.
Durante todo aquele tempo em que vivera em Tevária, Atron K-Rosam’vev morara na pequena casa feita de restos de carbonite e concreto plástico queimado de Kim Kay-War. O pai da tarrentiana morrera no mar um ano antes, durante uma forte tempestade. Agora Atron, ou Argon como ela o conhecia, era tudo que lhe restava.
Apaixonaram-se. Kim admirava o corajoso e revolucionário Atron, lutando pela causa dos pobres tarrentianos contra a prefeita, o governador e o chanceler Adrin Duprek.
Roubava da elite, minoria, para dar aos miseráveis e famintos plebeus que um dia foram seus súditos. Já corria por todo o mundo de Tarrent que um último espécime lemântico trazia o terror para os ricos para dar de comer aos pobres.
Atron K-Rosam´vev casara-se com Kim Kay-War no fim daquele ano. Era idolatrado pela população carente e perseguido pelas milícias do chanceler.

Em uma manhã quente de verão, e Delta Majoris brilhava intensamente, aquecendo a praia agora limpa em um multirão organizado por Atron, o casal resolveu pescar um pouco, coisa que faziam com certa frequência.
Aventuraram-se no mar calmo e já longe da costa, molhados e com muitos peixes no porão, resolveram descansar sob o sol.
- Argon... Nunca me senti tão feliz. Só uma coisa me deixa triste.
- O que a deixa triste, amor? – Atron a encarou, com ares de preocupação.
- Nunca poderemos ter filhos. Você é um lemântico e eu, uma tarrentiana. Nossos DNAs são completamente diferentes. Totalmente incompatíveis.
Atron olhou o horizonte azul e deixou-se entregar ao balanço do barco.
- Isso é verdade. Mesmo que estivéssemos no auge do Império Lemântico, os médicos não conseguiriam fazer com que pudéssemos ter filhos.
- Ao menos podemos fazer amor... E você sabe amar uma mulher como poucos, meu querido.
Eles se beijaram. Porém Kim notou as lágrimas no rosto ovóide de Atron.
- O que houve? Sente-se triste por não podermos ter herdeiros?
- Sim, mas... Também porque meu único filho, o filho que já tive, desapareceu na batalha de Égon anos atrás, com minha falecida esposa. O corpo dela e de Betram nunca foram encontrados.
- Betram? O príncipe Betram? Seu filho... Espere um pouco... – Kim contornou o rosto de Atron com as mãos e então seus lábios tremiam, ela toda tremia.
- Porque nunca me contou? Eu sempre suspeitei, mas achava que não era possível... Você é o rei Atron. Atron K-Rosam´vev, nosso rei, nosso igni... Pelos deuses...!!!
Atron ficou algum tempo em silêncio, pensativo. Então contou tudo o que acontecera desde que Leman, que no futuro seria conhecido como o planeta Marte, fora arrasado e o Império Lemântico caíra. Contara também sobre Martogh, sobre Zonos, sobre Liany. Sobre seu poder de mudar de corpo.
Kim digeriu lentamente as palavras de seu marido. Podia entender porque escondera sua identidade dela e o perdoara por isso. Eles se abraçaram e depois trocaram um longo beijo.
Foi quando Atron K-Rosam’vev foi mortalmente atingido nas costas. As balas explosivas atravessaram sua grossa carapaça e provocaram uma forte hemorragia interna, perfurando os pulmões. Estava ainda consciente, nos braços de Kim, mas estava confuso e fraco.
Barcos da patrulha da Milícia Pública haviam localizado o casal. Em minutos estavam cercados. Kim Kay-War tentou proteger seu marido de todas as maneiras.
- Parem! Não podem fazer isso! Ele vai morrer!
- Sobreviverá até ser executado em praça pública daqui alguns minutos. – Disse um dos guardas. – Fique quieta ou atiraremos em você também.
- Ele sempre ajudou o povo de Tarrent em tudo! Isso é um absurdo!!
Kim levou uma forte coronhada de um dos guardas e caiu desfalecida. Atron, quase sem forças, avançou sobre ele e quebrou-lhe o pescoço com extrema rapidez. Tomou-lhe a arma e disparou, matando muitos dos homens da milícia e explodindo um dos barcos até ser dominado por doze soldados do exército do chanceler, que haviam acabado de chegar pelo ar.
O casal foi levado para a praia. Em fileira, alguns dos líderes da revolução promovida por Atron já haviam sido cruelmente executados e outros aguardavam a execução. Atron estava fortemente amarrado e muito fraco, cuspindo muito sangue e sabendo que não sobreviveria. Não naquele corpo, seu corpo original.
O povo se rebelera em muitos pontos de Tevária e em toda a Tarrent, pois a notícia que o nobre lemântico que ajudava a todos iria ser executado espalhou-se muito rapidamente.
Kim recobrou a consciência e foi segura por dois soldados longe do marido. Ela estava ofegante e começou a chorar, desesperada.
- Nãããoooo!!! Isso é um erro!!! Não! Não o matem, por favor...
Atron foi colocado de joelhos na areia, e cinco daqueles homens do chanceler o cercaram, apontando suas armas de balas explosivas para ele.
Um deles, que parecia ser o líder da tropa, disse.
- Tragam a mulher dele aqui primeiro. Ela será executada antes.
Atron cuspia sangue e mal pode protestar. Sua mente estava turva.
Kim Kay-War foi amarrada à um poste. Ela se debatia e chorava.
- Agora, lemântico, assista a execução de sua mulher. Logo se juntará à ela.
E o líder da tropa fez um sinal. Um soldado colocou sua pistola de balas comuns na cabeça de Kim. Ela parou de chorar e disse à Atron:
- Eu te amo muito, meu querido. Lembre-se disso. Agora eu me vou, mas quero que use este corpo para se vingar... – E piscou para ele, parando de se debater e ficando estranhamento serena diante da morte.
- Atire! – Ordenou o comandante.
- N...n..n... – As palavras do igni lemântico não saíam de sua boca.
O soldado atirou e Kim Kay-War estava morta.
Satisfeito, o comandante voltou-se para os soldados que cercavam Atron.
- Executem-no!
Os cinco homens tarrentianos atiraram e liquidaram o rei e igni do outrora poderoso Império Lemântico.
Confuso, Atron quase não pode se lembrar do rito de passagem. Assim como sua irmã, esquecera o que tinha de dizer e pensar, somando-se à isso o fato que estava muito ferido. Levou tempo demais. Passou dos quinze minutos que dispunha e parte de suas memórias foram esquecidas.
A Luz o chamava para o Além-Universo, a Terra dos Mortos. Sentiu-se feliz ao desencorporar e seguiu por um túnel brilhante e aquecido, deixando para trás a mesquinhez e ignorância dos seres de seu Universo.
Mas sabia que tinha uma missão... Mas qual seria? Sabia que era muito importante voltar. E, mais que tudo, sabia que tinha de vingar os justos que o ajudaram na Revolução Tarrentiana e também vingar a morte de sua mulher.
Tinha de voltar. Lutou contra o que o puxava para o Outro Lado. Fixou a mente no corpo de Kim, ainda amarrado ao poste. Sentiu um violento “puxão” e a encorporou. Imediatamente o cérebro de Kim expulsou a bala e se regenerou. A alma de Atron permeou aquele ser que pouco antes havia sido sua esposa.
Ficou calado, imóvel e de olhos fechados. A mudança de corpo sempre seria muito dolorosa e complicada para Atron e Liany, algo muito ruim de se experimentar haja visto a enxurrada de memórias e a personalidade da pessoa que ali vivera que comprimiam sua própria mente. Ainda mais sendo a primeira vez que fazia aquilo.
Mas agora Atron K-Rosam’vev estava vivendo no lugar de Kim Kay-War.
Não demorou muito e, ainda amarrado(a), com o rabo dos olhos viu, sem nada poder fazer, vários amigos e amigas que o ajudavam na revolução serem cruelmente executados naquela praia agora tingida de sangue vermelho e roxo.
Dois soldados se aproximaram dela.
- Vamos estuprar esta vaquinha antes que joguem seu corpo na fogueira!
- Vamos, hehehehe, tô sem nenhuma muié faz tempo!
Desamarraram Kim e assim que se viu solta usou as mãos para apertar com muita força o saco escrotal de cada um, que entre perplexos e doloridos nem puderam gritar. Caíram de joelhos, e Kim usou o próprio joelho para acertar o queixo de um enquanto desferia um violento soco no outro, pondo ambos fora de combate.
Arrumou suas roupas, tomou as armas dos soldados e, sabendo que não havia mais nenhum aliado seu vivo naquela praia amaldiçoada, deu uma última olhada em seu antigo corpo de lemântico jogado na areia, em meio à uma poça de sangue roxo, e fugiu por entre as casas que nos últimos anos ajudara a reconstruir.

Logo a população a acolheu. Olhando o movimento de tropas pela janela de uma casa no alto de um morro, Atron sentia-se estranho como uma mulher tarrentiana. A joelhada e o soco que dera nos soldados, que antes sendo lemântico não o faria sentir nem cócegas, agora provocava inchaço, roxidão e dores fortes.

Todavia agora era Kim Kay-War. E ainda assim continuava sendo Atron K-Rosam’vev. Iria se vingar de todos, ia libertar aquele povo oprimido e depois... Depois tentaria se lembrar quem fora Martogh. Onde ficava Tarínia, o lugar que recebera aquele estranho dom de mudar de corpo – pois suas memórias danificadas confundiram Tirênia com Tarínia – e quem fora Zonos, afinal. Tinha perdido boa parte das lembranças de sua vida anterior, Contudo, naquele momento, nada mais importava, pois perdera sua esposa e tinha um mundo inteiro para salvar.

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